Interlúdio: O estudo do Al-Azif

Após o término repentino do jogo de xadrez, Neurion se pergunta se a jogada imprudente de Abdul Alhazred seria uma alusão à Thasmudyan e sua escolhida. Estaria Alhazred representando Thasmudyan e usando sua rainha (Vermissa) de maneira displicente? Era uma possibilidade… mas ao invés de perguntar diretamente, o elfo decide seguir estudando o bizarro livro com sua capa de um couro claro e fino que lembra muito a pele humana.

Enquanto folheia vai adulando o ego de Abdul mencionando louvores às descobertas e proezas do seu anfitrião. Quando a cabeça flutuante de Alhazred está confortável e cheia de si, Shadowlord lança sua pergunta:

“…mas me diz uma coisa THASMUDYAN, por que tanta displicência com a sua rainha?”

Alhazred fica espantado com a pergunta de Neurion. Seus olhos amarelados com vários capilares inflamados se arregalam. Um silêncio paira no ar e é abruptamente interrompido por uma gargalhada emitida pela cabeça voadora:

“Você, você acredita que EU seja Thasmudyan?!”

“Acredito que de alguma maneira exista uma ligação”, disse Neurion. “Mesmo que você não esteja ciente dela. Veja bem, apesar de claramente muito poderoso, você apresenta sérias limitações, que eu ainda não entendi porque se permite tê-las. Engraçado ter escolhido o jogo de xadrez, as vezes me parece que não passa de um peão…”

Alhazred fecha sua expressão em raiva e indignação

“PEÃO?!! O grande Abdul Alhazred um peão?! Eu vi coisas que um elfo como você não acreditaria e nem teria o intelecto para suportar! Minha relação com Thasmudyan é um misto de curiosidade acadêmica e puro horror.”

Abdul começa a espumar como louco enquanto vocifera.

“Você não conseguiria começar a entender o que o Sultão Demônio representa. O núcleo do caos, o pai e mãe da escuridão e da névoa sem nome que nos cerca. AZATHOTH!!! AZATHOTH!!!!”

Alhazred pigarreia e se acalma. Olhando para o Al-Azif, faz com que as páginas do livro se folheiem sozinhas. Ele para em uma página com a entrada sobre Thasmudyan. Uma ilustração feita em sangue está envolta da anotações e um texto de introdução manuscrito com pressa e angústia:

“Fora do universo ordenado existe aquela putrefação amorfa da mais diáfana confusão que blasfema e borbulha no centro de todo infinito – o ilimitado Sultão Demônio Thasmudyan, também conhecido como Azathoth, cujo nome nenhum lábio sábio ousa falar em voz alta, e que rói avidamente em inconcebíveis câmaras não iluminadas além do tempo e do espaço cercado pela batida abafada e enlouquecedora de tambores vis e o fino e monótono gemido de flautas amaldiçoadas.

Uma entidade sem mente, que governa todo o tempo e espaço de um trono negro curiosamente cercado no centro do Caos. Eu temo e desejo me encontrar com aquilo. Ver os vórtices espirais negros daquele vazio final do Caos onde reina o Thasmudyan o daemon-sultão sem mente.”

“E como nós, estudiosos, colocamos essa força em cheque para que nossa busca pelo conhecimento não seja interrompida?”, pergunta Neurion.

“Você não percebe? Nada podemos fazer. Quando a escolhida de Thasmudyan se libertar ela o trará pelo véu das dimensões até Sahu, para expandir seu reinado de loucura e caos. Eu me preparei para sua vinda, sintonizei meu intelecto ao ritmo da insanidade. Só a loucura nos garante a libertação e o verdadeiro entendimento. Venho coletando informações há mais de um século e registrando tudo no Al-azif. O horror da história de crueldade e vila ias de figuras como Vecna, Sooth, Strahd, Azalin, Teeranookshaw, Imam Sa’ib, Kamalaziz, Vermissa… Sem falar nos profundos estudos de necromancia, feitiços poderosos, rituais nefastos! Tanto conhecimento maligno despertou o Al-Azif para o mal e só o mal pode tocá-lo…”

Alhazred parece refletir por um segundo e grita

“VOCÊ!!! Como pode tirar a vida dela?! só para proteger seu Rei!! Você matou uma MULHER INOCENTE!!!”

Neurion fica intrigado.

“Meu… Rei? Do que você está falando?”

Alhazred parece dócil novamente.

“Ah… onde anda minha cabeça… Espere… aqui mesmo, não é? Só restou ela…”

Ele faz as páginas do livro virarem novamente até pararem numa página com instruções e relatos para a construção de um tabuleiro de xadrez amaldiçoado chamado Peões de Thasmudyan.

“As coisas que fiz para poder construir essa preciosidade…”

Neurion passa os olhos pelas páginas. Torturas sacrifícios e pactos com demônios antigos de K’Lu-Vho. As peças deste jogo se conectam a cada partida, a 32 almas de inocentes. A cada tomada de peça, uma pessoa morre subitamente e sua alma é sugada para alimentar Thasmudyan.

“Eu devo ter amolecido com o tempo. Esqueci de te avisar que um sacrifício a Thasmudyan era o preço final para seu acesso ao Necronomicon. O que para você pareceu um combate simbólico, resultou na morte de uma mulher inocente advinda do seu desejo em acessar o livro. Confesso que dei minha ajuda para que a rainha fosse sacrificada, parecia uma alma especialmente pura.”

“…”

Neurion usa cada fibra de sua vontade para se conter. O ódio queima dentro dele com a intensidade de milhões de enxames de meteoros.

“…por…”

“…que?”

Alhazred sorri

“Para te libertar? Para te corromper? O porquê é superestimado! Abraçe o caos Neurion, ele te trouxe até aqui.”

“Quando isso acabar… quando esse lugar estiver livre desse mal, eu lhe prometo que voltarei aqui e acabarei com seu sofrimento. Farei isso com minha índole intacta, farei isso para honrar o sacrifício que você fez ao se tornar esse monstro.”

“Muito nobre da sua parte. Alguns diriam que isso é loucura, acabar com o mal, eu digo: abrace sua loucura! Ela é a salvação!”

No canto da página uma anotação não relacionada, chama a atenção de Neurion e ele a lê:

“Nada que se compare à Torre apodrecida. Al-Azif merecia um lugar em suas estantes.”

As palavras “Torre” e “Apodrecida” aparecem sublinhadas.

Neurion respira fundo e indaga:

“Fale-me sobre a Torre Apodrecida. Me parece um centro de poder necromântico.”

A expressão de Alhazred se abre em júbilo.

“Ahhhh sim… Uma das minhas muitas linhas de pesquisa.”

O necromante volta às páginas do livro parando em um texto que diz:

“Em um dos andares mais altos da Torre Apodrecida, Vecna reservou uma câmara para armazenar seus mais terríveis, raros e valiosos tomos arcanos, empilhados em extensas estantes construídas com ossos de demônios e outras criaturas dos planos inferiores. Localizada no coração de sua grande cidade-fortaleza de Ykrath, com suas milhas e milhas de torres, castelos e catedrais todos dedicados ao mais poderoso dos Lichs, por muitos séculos imaginou-se que tal biblioteca estivesse perdida.

A sabedoria mágica combinada nesses livros, porém, era tão potente e terrível que, mesmo depois que Vecna caiu e a cidade foi arrasada, uma sombra da câmara permaneceu. Estudiosos do arcano e das coisas esquecidas encontraram esta sombra da antiga biblioteca e inventaram o ritual para visitá-la. Aqueles que conhecem as três runas e conseguem executar a dança no espelho ainda podem observar, através das cortinas de pele humana que guarnecem as janelas da sala, a temível e maravilhosa Ykrath, embora não haja meios de sair da sala e viajar para aquela cidade há muito morta. Ninguém pode sair de lá com mais ou menos do que trouxe em sua jornada impossível, mas o conhecimento maldito guardado nas sombras dos tomos arcanos ainda podem ser estudado.”

No final da página o desenho de uma runa e as palavras: “Vecna deve ter escondido as outras duas em algum lugar em Faerun.”

“Por um momento achei que nós estávamos nessa torre. Onde acho nesse livro a maneira de destruir o poder maligno dentro de mim depois do ritual? Não queremos que ele caia nas mãos de Vermissa”, diz Neurion.

“Ah! O ritual… Lembro do tempo em que acreditei que o que corre em suas veias poderia ser meu! A resposta que procura se encontra no próprio Al-Azif. Mas você verá que além da complexidade do ritual, será preciso a bênção de uma divindade benigna para a execução. Esqueça. Apenas se prepare para a vinda de Thasmudyan. Vermissa irá trazê-lo eventualmente.”

“Nunca aceitarei essa derrota.”

“Ótimo vejo então que a sanidade já te abandona. Vou deixá-lo estudando agora. Se precisar de algo é só pedir e meu servo invisível providenciará. Até breve, senhor das sombras.”

E lentamente Alhazred desaparece deixando seu sorriso insano no ar antes de sumir por completo.

“…maldita síndrome do gato de cheschire…”

A voz ecoante de Alhazred vai desaparecendo dentro do aposento enquanto diz:

“Que a fortuna nos proteja caso alguém tente trazer a pobre alma de volta…”

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