Interlúdio: O sonho de Erevan

O grupo descansava após retomarem a Torre da filha de Tempus. Erevan se sentia estranhamente cansado. A luta contra os demônios exigiu muito de suas forças. De alguma forma ele começava a sentir que sua conexão com o aspecto animal da natureza estava chegando ao seu limite. Mesmo os poderosos animais primitivos como o ankylossauro estavam tendo dificuldades de enfrentar as forças do mal, cada vez mais poderosas, que cruzavam o caminho da Companhia do Milagre.

Ao final da batalha, enquanto recuperava suas forças, olhou para o grupo que o rodeava. Sem dúvida era um milagre. Um milagre que seres tão diferentes, colaborassem e lutassem juntos lado a lado, buscando encontrar e destruir artefatos lendários, antes que eles caiam nas mãos de seu inimigo. Ele pondera o quanto passaram juntos, o quanto eles confiaram nele, mesmo que essa confiança não fosse retribuída a altura.

Faz pouco mais de um ano desde que Ivellios, seu tio e mentor, morreu em suas mãos, revelando um terrível mal que corrompia o equilíbrio natural da Vaasa, sua terra natal. Sentado em um recanto mais distante dos outros, como de costume, Erevan abre sua mão esquerda e produz uma pequena flama. Ele começa a moldá-la na figura de um grande carvalho e se lembra do dia em que Ivellios lhe falou pela primeira vez que o fogo não era um inimigo da natureza.

Chovia e relampejava muito naquela tarde e quando um raio atingiu o velho carvalho que se projetava acima das copas dos demais, seu tio disse: “Observe o fogo Erevan e saiba que ele é apenas isso, fogo. Nem bom, nem mal. Um dos elementos da natureza, uma de suas muitas manifestações. Ele transforma e renova, força a evolução e a adaptação, promove o equilíbrio dinâmico de Faerun. Não é o fogo que devemos temer, mas aqueles que o usam de forma inapropriada, criando um desequilíbrio que pode afetar a vida em Abeir-Toril. Você já aprendeu a fazer germinarem as sementes, agora é hora de aprender a usar o fogo e, com sorte, controlá-lo. Esse será o primeiro passo para se conectar às forças elementais da natureza”.

Erevan ainda se lembra das queimaduras e do treinamento duro que passou para dominar a chama que agora formava o mesmo carvalho que revisitava em sua mente. De súbito um forte vento ao seu redor. A chama se apaga e tudo fica escuro. Apenas o vento o envolve na escuridão e ele se sente flutuando, não no vazio, mas em uma espécie de plenitude, como se estivesse conectado à vida e a morte e compreendesse a grandeza de tudo que há.

“Sinta o vento, Erevan!”. Uma voz poderosa rompe a escuridão como um trovão e um relâmpago atinge um gigantesco carvalho que se incendeia em um fogo de chamas multicoloridas. Há uma grande floresta ao seu redor, cheia de vida pujante. Fauna e flora diversas são iluminadas pela luz do fogo, que faz florescer e renova constantemente os ramos da grande árvore.

Erevan sente então seus pés tocarem o chão rochoso e a aspereza e dureza da terra tomam conta do seu espírito. “Sinta a terra, Erevan”. A partir de seus pés as pedras se reorganizam formando uma grota onde pacífica, mas rapidamente, uma nascente de água preenche até que o druida perca o pé e flutue no pequeno lago alimentado por uma cachoeira que não perturbava às aguas frias e cristalinas onde peixes e plantas se multiplicavam. “Sinta a serenidade e fluidez da água” diz uma voz feminina que Erevan sente ser familiar.

Enquanto seu corpo flutua na superfície imperturbável da água, Erevan começa a sentir o calor do fogo que renova a árvore. Ele abre os olhos e vê que o fogo vai se apagando e se concentrando em um único ponto da copa que agora viceja sob um céu em rápida transformação, como um misto de dia e noite, dias ensolarados, nublados, estrelas e crepúsculo em uma constante oposição acordada.

Uma única folha envolta em chamas se desprende e mantém uma miríade de tons de outono que se mesclam em sua superfície. Enquanto ela cai e parece ser trazida pelo vento na direção do elfo, a voz que rompeu o silêncio torna a falar mais branda, porém austera. É rouca e agora soa ainda mais familiar que a das águas: “Tempos difíceis se aproximam, jovem Erevan. Tanto para vocês, quanto para nós poderes primordiais da natureza. É preciso que o equilíbrio se restabeleça. Temos observado suas ações e visto como os caminhos de seus aliados o conduzem para um momento decisivo na história do plano material. Seu tio era um guardião da natureza, mas sua loucura e morte não foram naturais. Este desequilíbrio precisa ser corrigido. Você aceita guardar em si uma parcela dos poderes elementais da natureza? Aceita ser nosso campeão no período que se aproxima?”

Erevan fica de pé. As águas não ondulam, mas agora seus pés tocam o fundo rochoso, como se o próprio leito do rio se erguesse para lhe dar apoio. Olhando para a folha que flutua em sua direção, sente a brisa em seu rosto. A natureza que o cerca faz silêncio, uma pausa.

As palavras do seu tio naquela tarde de tempestade ecoam na lembrança. Ele estende seu braço esquerdo e pega a folha, dizendo: “Sim”. O calor do fogo invade seu espírito e o brilho o cega, forçando-o a fechar os olhos. Ele se sente portador de um poder primordial imenso e capaz de se conectar a natureza como jamais o fizera antes.

Quando abre os olhos, o druida vê a chama sobre palma de sua mão formando uma única folha de carvalho. Ele está de volta na torre, como se nunca tivesse saído de lá. Seus companheiros ainda descansam. Ele apaga a chama e se deita.

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