O Rei Bruxo aguardava no alto de uma pedra alta e achatada, olhando para o norte do reino de Vaasa com os dedos esqueléticos fechados em punhos raivosos.
A campanha tinha saído como planejado. Ele havia subjugado a Damara, derrotando quase todos os seus inimigos e conquistado novos aliados – em sua grande parte os cadáveres podres dos homens que seu exército acabara de abater. Seus inimigos permaneciam divididos, muitas vezes preocupados demais uns com os outros para prestar atenção suficiente às verdadeiras trevas que haviam chegado à sua terra.
Os rumores que chegavam aos seus ouvidos sugeriam que a Companhia do Milagre trabalhava para remediar a situação, tentando unir os muitos senhores da Damara sob uma única bandeira e lutar contra ele, mas estavam agindo tarde demais, ele acreditava, e sua vitória parecia garantida.
Mas uma força, pequena, mas poderosa, invadiu a Vaasa no rastro de seus próprios exércitos. Eles haviam se aproveitado das temperaturas mais amenas do verão e romperam o cerco em Palishchuk, reunindo os remanescentes dos refugiados do norte em uma única e formidável força. Várias caravanas de suprimentos do Castelo Perilous não alcançaram o Passo de Bloodstone nas Galenas. A principal rota de abastecimento de Zhengyi foi interrompida.
O Rei Bruxo entendeu que ele não deveria estar olhando para o norte em uma hora tão crítica. Ele não tinha tempo de perseguir um grupo de rebeldes com a Companhia do Milagre criando problemas no sul.
“Onde você está, Byphast?”, ele perguntou à brisa fria do Norte.
Ele enviara o dragão de volta a seu lar glacial com instruções de derrotar os rebeldes e seus apoiadores da Damara, mas as notícias que voltavam para ele não eram nada promissoras.
Ele ficou ali por mais algum tempo, mas logo fechou a capa cinza ao redor de suas vestes negras e desceu a pedra irritado. Ele caminhou de volta pela encosta da montanha, sua forma morta-viva deslizando facilmente sobre a traiçoeira descida, e logo ele caminhou novamente entre a retaguarda de seu exército, aparecendo mais uma vez como em vida. Os humanos que o seguiam servilmente não aguentariam a visão terrível de sua verdadeira forma.
Ele esperou durante a noite em sua tenda de comando, folheando os relatórios e mapas que estavam chegando de seus agentes no sul. Certamente as ações de Zhengyi na campanha contra a Damara teriam atraído a atenção das grandes forças de Faerûn. Informação era poder, Zhengyi sabia, e sua tenda de comando, com suas mesas cheias de mapas e miniaturas de vários trechos estratégicos dos terrenos da Damara e da Vaasa, e marcadores representando o tamanho relativo e a força de seus exércitos, era um testemunho desse conhecimento. Lá Zhengyi poderia traçar os possíveis movimentos de seu exército, suas posições defensivas e as áreas mais vulneráveis ao ataque. Nessa tenda, a grande estratégia caso precisasse mobilizar novamente seu exército – incluindo a decisão de não avançar totalmente contra Palishchuk – fora formulada e continuamente refinada.
O Rei Bruxo não gostava de surpresas.
Apesar de sua preparação e confiança, os olhos frios de Zhengyi frequentemente olhavam por cima do ombro, para o norte, na esperança de notícias do dragão branco. Grupos de heróis eram mais difíceis de rastrear e muitas vezes causavam mais problemas do que regimentos de soldados comuns.
A longa noite passou sem incidentes. Não foi até a manhã seguinte que Byphast, em sua forma de elfa, veio andando pela trilha que levava à tenda de comando. Zhengyi viu-a a certa distância, e logo percebeu que as notícias do norte não eram boas. Byphast mancava, e mesmo à distância, ela parecia mais desgrenhada do que Zhengyi jamais a vira.
As vestes do Rei Bruxo tremularam atrás dele enquanto caminhava pelo acampamento, determinado a encontrar o dragão branco na trilha longe dos ouvidos de seus guardas e soldados.
“Os rumores são verdadeiros então”, disse Zhengyi quando se aproximou. “Um bando de heróis chegou a Palishchuk.”
“Para a alegria dos meio-orcs”, respondeu Byphast. “A cidade está mais fortalecida do que nunca. Suas preparações não cessam. Eles reforçaram suas paliçadas e juntaram caixas e caixas de flechas ardentes.”
O uso desse adjetivo em particular disse a Zhengyi que o dragão havia testado pessoalmente essas defesas.
“E eles construíram grandes máquinas de defesa, catapultas e balistas que podem ser rapidamente apontados em direção ao céu para contra-atacar criaturas no ar. Quando voei sobre a cidade, correntes farpadas se ergueram para me impedir, e eu apenas evitei por pouco as lanças gigantes lançadas em minha direção.”
“Cuidaremos de Palishchuk em seu devido tempo”, prometeu Zhengyi.
“Sem a ajuda de Byphast e sem outros dragões, eu acredito”, respondeu o dragão branco. “Os tesouros de Palishchuk não valem o risco para minhas asas.”
Zhengyi assentiu, ainda não muito preocupado com a cidade de meio-orcs. Quando seus planos estivessem completos, Palishchuk se tornaria um pequeno oásis de resistência sem ajuda vinda de qualquer lugar das Terras de Bloodstone. Eles não resistiriam por muito tempo, e Zhengyi ainda não havia perdido a esperança de que os meio-orcs acabariam se aliando com ele. Eles eram meio-orcs, afinal de contas, e provavelmente não seriam tão dissuadidos por questões morais quanto os fracos humanos, halflings e outros povos da Damara.
“Esses heróis se esconderam na cidade?”, perguntou Zhengyi, voltando ao problema em questão.
“Não, eles atacaram com gosto. Quando eu escapei das correntes e das lanças e voei para o norte, eles saíram correndo pelos portões de Palishchuk em perseguição.”
“E você os matou?”
A careta de Byphast deu-lhe a resposta antes que o dragão começasse a falar. “Eles são acompanhados por poderosos magos e sacerdotes. Seus cavaleiros brilham com proteções para derrotar minha respiração mortal, e suas armaduras ressoam com magia para deter as minhas garras.”
“Um grupo pequeno?”
“Aproximadamente umas cinquenta pessoas e bem equipadas para lutar contra dragões.”
“Byphast normalmente não fugiria desse grupo.” Zhengyi não fez nada para conter o desprezo em sua voz, nem de sua expressão, enquanto ele estreitava os olhos e zombava.
“Se for fosse forçada a lutar com eles – se entrassem certo dia em meu covil – então eu certamente os destruiria”, o dragão respondeu sem hesitar. “Mas cicatrizes acompanham essa vitória, tenho certeza, e naquele lugar, naquele momento, eles não valiam a pena.”
“Você serve Zhengyi,” começou o Rei Bruxo, mas quando a conversa tomou esta direção, a declaração de Byphast, se alguma vez eles entrassem em seu covil, ressoou em seus pensamentos.
“Eu concordei em lutar ao lado das forças de Zhengyi”, respondeu o dragão. “Eu não concordei em travar essas batalhas sozinho nas charnecas da Vaasa.”
Zhengyi tirou um filactério de seus bolsos, aquele para o qual Byphast havia se sintonizado. Se o dragão fosse morto, sua energia e força vital seriam transferidas para o filactério, e ela se tornaria morta-viva, uma dracolich.
“Você se esquece?”, O lich perguntou.
“É uma salvaguarda final, mas não uma que estou ansiosa para usar. Se no decorrer dos acontecimentos eu for morta, então que assim seja. Esse é o risco que minha espécie precisa ter sempre que chegarmos ao mundo das criaturas menores. Mas eu não vou perseguir a morte em vida que você oferece.”
“Ah, Byphast, é uma coisa lamentável ver uma criatura com sua reputação reduzida a tanto medo.”
Olhos semelhantes a lagartos se estreitaram e um rosnado baixo escapou dos lábios élficos do dragão.
“Muito bem, então”, disse Zhengyi. “Eu mesmo vou lidar com os intrusos. Eu não vou tê-los beliscando meus calcanhares enquanto cuido de outros assuntos. Vá e junte-se aos comandantes dos exércitos.”
Byphast não se mexeu, nem sua expressão mudou do olhar de ódio que ela atirou para Zhengyi.
Se essa ameaça incomodou o Rei Bruxo, no entanto, ele não demonstrou. Ele virou as costas para a ancestral dragão em forma de elfo e voltou para sua tenda.
***
“Donegan!”, Exclamou Maryin Felspur, Cavaleira da Ordem.
“Sir Donegan”, o cavaleiro sênior a corrigiu. Caminhou com seu cavalo armadurado em sua direção, os cascos pesados ecoando pelo acampamento enquanto o corcel de mais de cento e cinquenta quilos, com mais outros tantos de armadura e mais duzentos de cavaleiro, atravessava o chão úmido e enlameado. Donegan cavalgou até Maryin, a única mulher cavaleira dentre os dez que tinham partido da Damara, acompanhando mais de cinquenta soldados, meia dúzia de sacerdotes e um trio de magos irritantes.
“Sir Donegan”, corrigiu Maryin aparentando humildemente.
Ela não estava usando seu capacete, e seu sorriso traiu seu tom de voz. Servindo de batedora para o grupo, a ágil Maryin era a menos blindada dos cavaleiros, e seu cavalo, um pinto jovem e forte, pouco maior do que um pônei, usava apenas protetores de peito e na testa. Maryin preferia o arco e usava sua velocidade para atacar os servos de Zhengyi pelos flancos, minando suas posições em pontos vantajosos para que Donegan e Sir Bevell pudessem ter mais sucesso em um ataque frontal.
Donegan não desmontou. Sua armadura de placas interligadas tornava tais movimentos complicados, particularmente quando precisava voltar para cima de seu imenso alazão. Em vez disso, inclinou-se o máximo possível que a armadura permitia e levantou a viseira do capacete.
Maryin se agachou ao lado da depressão, um buraco no chão que estava meio cheio de água marrom.
“Apenas uma criatura do tamanho de um dragão poderia fazer tal rastro”, disse Maryin.
Donegan se endireitou e examinou a área. Ele notou uma segunda e terceira pegada para trás e várias outras à frente, mas além disso, nada.
“Mestre Fisticus”, ele chamou o líder do trio de magos, “peça para que você e seus companheiros preparem seus componentes e seus feitiços de proteção. Essas pegadas não são antigas, e parece que o dragão seguiu pelo ar. Ele pode nos atacar do alto a qualquer momento, e eu não vou ter a sua baforada mortal dizimando nossas fileiras antes de termos tido a chance de atacar a fera.”
“Talvez devêssemos voltar para Palishchuk, meu senhor”, Maryin sugeriu em voz baixa. “Ao alcance de suas balistas -”
“Não,” começou Sir Donegan antes que Maryin tivesse terminado. “a besta é inteligente demais para ser atraída para perto da cidade novamente. Os meio-orcs quase o derrubaram na primeira vez.”
“Se é que é o mesmo dragão.”
Essa possibilidade fez Donegan parar para pensar, pois ele não podia descartar o raciocínio. Até poucos anos atrás, Donegan tinha visto apenas um único dragão em todos os seus mais de vinte anos de aventuras, e esse tinha sido um pequeno dragão branco perto da Grande Geleira. Com a vinda de Zhengyi, o Cavaleiro da Ordem havia aprendido muito mais a respeito de dragões, pois os malditos vermes cromáticos de muitas cores enchiam o céu acima do avanço do Rei dos Bruxos. Vermelhos e brancos arrasaram muitas aldeias, incluindo a cidade natal de Donegan, e o cavaleiro lutara com um par de azuis, um encontro que lhe custara um cavalo e deixara uma linha enegrecida nas costas de sua armadura prateada.
Dragões demais, pensou Donegan. Mais dragões do que ele gostaria…
***
Zhengyi observava as margens nordeste de um pequeno lago a alguns quilômetros ao norte de Palishchuk. A ilusão de sua antiga aparência humana não era mais uma necessidade. Ele havia tirado o capuz, revelando seu crânio, os pedaços de cabelos manchados e as abas da pele podre. Suas vestes cheiravam a mofo, penduradas em farrapos sobre seu corpo esquelético e mostrando manchas verdes de mofo. Apoiando-se em um bastão de carvalho retorcido, olhou para o sul.
Ele percebeu a aproximação do grupo, o sol refletindo nas pontas das lanças e nas armaduras de suas montarias. Ele ouviu o estrondo de cascos e soldados marchando.
Os restos dos lábios do Rei Bruxo se curvaram em um sorriso perverso. Ele pensou na declaração de Byphast: que ela não se arriscaria contra tal contingente, exceto em seu covil.
Qualquer dragão lutaria ferrenhamente para proteger seu covil. Lutaria até a morte.
Mais flashes apareceram no sul. Eles seguiram a trilha que Zhengyi havia cavado com sua magia, pensando serem pegadas de um dragão.
Ele ergueu novamente o cajado de carvalho retorcido, localizou um local adequado e proferiu uma palavra de comando. O chão explodiu onde ele apontou o cajado. Pedaços de terra voaram no ar. A magia cavou no chão macio, rajadas de energia rasgaram e jogaram de lado jardas do solo tão eficiente e poderosamente quanto as garras de um dragão.
Zhengyi olhou para o sudeste, para a distante tropa de guerreiros. Talvez eles tivessem notado a o que ele havia feito, talvez não. Eles estariam ali em breve, em qualquer caso. Seu feitiço terminou de cavar o profundo buraco e Zhengyi entrou na água. O Rei dos Bruxos não sentia frio, é claro, pois ele não podia mais sentir tais sensações. De qualquer forma, nenhum calafrio era mais profundo do que o abraço gelado da morte.
Suas vestes flutuavam atrás dele à medida que descia para as partes mais fundas do lago, e logo ele estava debaixo d’água, sem respirar, sem se mexer. Quando a superfície se acalmou, os olhos frios de Zhengyi espiaram através da água para a margem nordeste. Sua trilha os atrairia para a escavação.
Ele segurou seu cajado com mais força, preparando o próximo feitiço.
***
Maryin arrastou-se pelo chão lamacento, mantendo-se abaixada e deixando o manto élfico, uma roupa de camuflagem mágica, pendurada em seus ombros. Ela havia deixado seu cavalo com Donegan e os outros, que marchavam algumas centenas de metros atrás dela. O trabalho de Maryin era detectar possíveis emboscadas e mantê-los se movendo em direção ao dragão. Dada a nuvem de terra que ainda podia perceber no ar, a cavaleira tinha todos os motivos para acreditar que ela havia completado sua tarefa.
Ela havia encontrado mais algumas pegadas não muito longe dali, e a fera aparentemente havia pousado, mas então ela encontrou um grande buraco, não longe da margem de um pequeno lago. Ela se agachou na borda, considerando o túnel lá no fundo.
“Você se enfurnou ali, lagartão?”, ela sussurrou.
Maryin ficou abaixada por mais alguns instantes, depois, ouvindo a aproximação de seus companheiros, ela se levantou, olhou ao redor e acenou para os soldados.
Ela olhou para a água, sem perceber que os olhos do Rei Bruxo olhavam de volta para ela. Atrás dela, Sir Donegan ordenou que o contingente parasse e aproximou-se com alguma cautela. Ele parou ao lado da cavaleira.
“No túnel?”, ele perguntou, inspecionando o buraco. “Ou é um truque, e a besta passou por baixo do lago?”
Maryin tirou o capuz e deu de ombros. “Eu não vejo nada para dizer que é nem nada para dizer que não é.”
“Uma maravilhosa batedora você, hein?”
Maryin sorriu para ele. “Eu posso rastrear quase qualquer coisa, e você sabe bem – até aquela garotinha que pensou em se infiltrar em seu quarto. Mas você não pode esperar que eu rastreie um dragão que continue subindo para o céu. Você acha que suas asas batendo lá em cima vão achatar a grama aqui embaixo? Você acha que a fera vai fazer ondas como barco atravessando o lago?
Sir Donegan riu de seu sarcasmo e da pequena e maliciosa indireta contra ele. Ele ainda tinha assuntos a tratar com Maryin sobre o incidente da moça, pois Donegan estava ansioso pela visita, e a interceptação não havia sido apreciada. Mas essa era uma luta para outro dia, e um pensamento veio a ele.
“A água subiu?”
Maryin olhou para ele, curiosa, mas entendeu a pergunta e foi até a margem do lago, onde começou a procurar sinais de uma onda recente. O lago não era muito grande, afinal, e certamente o deslocamento seria perceptível no caso de uma criatura tão grande quanto um dragão ter entrado em suas profundezas.
Um momento depois, Maryin ficou em pé novamente e sacudiu a cabeça.
“Parece que o dragão não entrou na lagoa”, disse Donegan com um suspiro. “Pois bem.”
“Não há rastros do buraco para a água, e se a fera tivesse voado qualquer distância, nós deveríamos ter visto – ou deveríamos ter ouvido o barulho quando ele mergulhou. Meu palpite é que o dragão, confiante e alheio a nossa perseguição, entrou no tún…”
Ela se abaixou e Donegan deu um salto para trás. Atrás deles, cavalos e soldados se eriçaram. Do buraco veio um rosnado baixo e gutural, um estrondo ressonante condizente com um animal da estatura de um dragão.
“Prepare-se!” Sir Donegan ordenou.
Ele girou seu cavalo e cavalgou de volta para suas tropas. Maryin colocou o capuz sobre a cabeça e pareceu se fundir nas sombras à beira d’água.
O grunhido continuou por alguns instantes, depois diminuiu gradualmente.
Lanças foram baixadas, espadas foram desembainhadas e magos e sacerdotes prepararam seus feitiços.
Então ficou tudo em silêncio mais uma vez. E nenhum grande monstro surgiu do buraco.
Quando Donegan e os outros finalmente se atreveram a se aproximar, ficaram na beira do poço profundo e largo em forma de funil, olhando para o largo túnel em sua base, que seguia para o leste e o oeste.
“Parece que encontramos nosso dragão”, disse Sir Donegan à suas tropas.
“Temos certeza de que um dragão cavou este buraco?”, perguntou outro cavaleiro.
“Há feitiços que podem fazer essas coisas”, respondeu Fisticus, o mago. “Como existem outras bestas…”
“Um dragão?”
“Isso seria fácil para um dragão”, explicou Fisticus. “Um dragão como aquele que atacou Palishchuk uns dias atrás teria pouco trabalho em perfurar esse solo macio do verão da Vaasa.”
Sir Gavaland, outro Cavaleiro da Ordem, disse: “Alguém poderia pensar que se o dragão quisesse anunciar sua presença de tal maneira, teria avançado para nos atacar naquele momento de surpresa”.
“Se soubesse que estávamos aqui”, respondeu Donegan.
“O rosnado?”
“Um ronronar de satisfação antes de dormir?”, o bruxo sugeriu. “Essas feras são conhecidas por rosnar com a frequência que um homem pode suspirar ou bocejar.”
“Reze então para que seja um bocejo”, disse Donegan, “e um anunciando que a fera está pronta para uma soneca longa e duradoura.” Ele olhou em volta para seus soldados, sorrindo de orelha a orelha por baixo da viseira erguida. “Uma soneca da qual nunca vai despertar.”
Isso trouxe uma série de acenos e sorrisos das tropas.
Maryin, por sua vez, nem assentiu nem sorriu. Ela sabia o que estava por vir e qual seria o seu papel, antes mesmo de Sir Donegan fazer sinal para ela entrar no buraco. Ocorreu-lhe que talvez ela fizesse bem em vestir sua armadura e contratar um elfo para cuidar do trabalho furtivo.
Sob a água, Zhengyi sorriu com satisfação enquanto observava a tropa desaparecer na borda do buraco. Seu feitiço imitando o rugido do dragão tinha funcionado perfeitamente, enganando os cavaleiros e seus soldados.
O Rei Bruxo sabia que ele deveria ir embora imediatamente de volta para o Castelo Perilous, mas ele demorou um pouco mais no lago, e quando todos os soldados entraram no buraco, exceto alguns poucos que ficaram guardando os cavalos, ele emergiu novamente na margem nordeste.
Os três tolos que estavam com os cavalos ainda olhavam para o poço, alheios ao perigo, quando o Rei Bruxo avançou em sua direção.
***
Ela sabia que sua capa élfica poderia protegê-la de olhares indiscretos, mas ainda assim Maryin se sentia vulnerável enquanto descia pelo enorme túnel – certamente alto e largo o suficiente para que um dragão pudesse passar. O líquen cobria as paredes, emitindo uma luz suave, como a luz das estrelas na clareira de uma floresta. Embora agradecida por essa iluminação – pois significava que não precisava carregar nenhuma tocha – ao mesmo tempo ela temia que o brilho a deixasse clara demais para ser percebida pelos olhos inteligentes do dragão.
Ela sentiu a presença da fera antes que ela sentisse seu cheiro ou a ouvisse – uma aura penetrante de medo pairava no ar.
Maryin ficou de quatro e se arrastou pelo túnel. Nenhum recuo seria rápido o suficiente se a besta a visse, então sua única esperança era não ser detectada.
Ela contornou uma curva e prendeu a respiração enquanto olhava para a câmara ao longe. Ali estava ele, e não era a fera que recentemente atacara Palishchuk. Pois mesmo na penumbra, ela podia ver que suas escamas brilhavam negras e não brancas.
Ela recuou lentamente por algum tempo, voltando pelo túnel. Então ela se virou e correu duzentos metros ou mais até onde Donegan e os outros esperavam, incluindo os cavalos blindados dos cavaleiros Donegan e Bevell.
“Um grande dragão negro”, ela explicou em voz tão suave quanto possível, enquanto desenhava o layout da câmara para eles na terra macia.
Fisticus e os outros magos começaram a trabalhar, coordenando os feitiços que precisariam para afastar o hálito ácido de um dragão negro.
“Um branco apresentaria menos desafios”, reclamou o mago da frente. “Nossos feitiços para derrotar seu hálito gelado são mais especializados e completos.”
“Talvez eu possa pegar emprestado um pote de tinta e mudar a cor da fera enquanto ela dorme”, veio a resposta sarcástica de Maryin.
“Isso seria útil”, disparou Fisticus sem hesitar.
“Chega”, Donegan repreendeu os dois. “Dragões negros são comparáveis aos brancos – pelo menos não é um vermelho nos aguardando.”
“Temos feitiços específicos para derrotar o sopro ardente de um…” Fisticus começou.
“E qualquer vermelho que mereça suas escamas teria magias muito mais poderosas que as suas”, interrompeu Donegan. “Neste caso, precisamos apenas derrotar a baforada inicial do dragão negro e avançar sobre ele. Uma vez ao seu lado, vamos derrubar a fera rapidamente.”
Fisticus assentiu e se moveu para ficar ao lado do mapa de Maryin. “Qual a distância do túnel até a fera?”, ele perguntou. “E em que local é provável que a batalha comece?”
***
Entrar no coração do covil do dragão foi um pequeno desafio para o Rei Bruxo. Em sua forma de sombra bidimensional, Zhengyi simplesmente caiu em uma fenda na pedra e deslizou para baixo. Agora ele estava de pé na caverna principal, não longe de Urshula, mas escondido tanto pela natureza de sua forma quanto por encantamentos, de modo que o dragão não sentia sua presença.
Ele observou entretido quando a furtiva cavaleira se arrastou novamente para observar o dragão. Um par de magos chegou em seguida, magicamente protegidos e escondidos.
“Patético”, Zhengyi murmurou baixinho.
Ele ergueu a mão esquelética e acrescentou uma ilusão – do ponto de vista do dragão – para esconder ainda mais os intrusos, pois não queria que Urshula detectasse tão cedo a força que se aproximava.
Os magos lançaram seu feitiço e se afastaram, e enquanto considerava aquilo que haviam criado, Zhengyi teve que admitir sua esperteza. Assentindo, ele sabia o que viria a seguir. Ele acenou com a mão novamente e sua ilusão desapareceu.
O olho de Urshula se abriu um pouco. Zhengyi observou os músculos ao longo das grandes patas dianteiras do dragão apertarem com prontidão. Abaixo do túnel vieram os guerreiros em uma carga repentina, suas armas e armaduras causando uma grande comoção.
Urshula se agachou, sua grande cabeça chifruda girando para encarar os invasores.
Zhengyi ficou maravilhado com o fato de os soldados terem mantido sua formação. Nenhum deles fugiu ao avistar o grande dragão. Ficou contente de ter voltado ao covil do dragão, pois a perseverança da tropa de cavaleiros se mostrou impressionante.
Urshula retesou seus músculos, e Zhengyi sentiu a inalação estrondosa da besta, em preparação para seu primeiro e devastador ataque. Os guerreiros não diminuíram o passo, aproximando-se do lugar onde os magos haviam estabelecido seu encantamento. O pescoço de Urshula se projetou para frente, suas mandíbulas se abriram, um cone de cuspe ácido explodiu de sua boca.
A baforada atingiu uma barreira – uma parede sólida e impenetrável de força mágica – e se derramou pelo chão, onde ficou borbulhando. Apenas um pouco espirrou sobre a parede, salpicando alguns dos guerreiros. Mas a carga deles não diminuiu. Eles se separaram e correram ao redor das bordas da barreira mágica em perfeita sincronia. Do outro lado da barreira as tropas voltaram a se juntar, guiadas pelos cavaleiros de armadura e se aproximaram do confuso dragão.
Urshula se levantou e ergueu a cabeça – e foi prontamente engolido por uma bola de fogo, seguida de outra e mais outra, antes que ele pudesse reagir. E quando ele se abaixou novamente, os guerreiros estavam lá, cortando, esfaqueando e atacando com abandono. Eles se espalharam ao redor do dragão, bradando e gritando, tentando dominar a fera com sua fúria repentina e brutal.
Mas Urshula era um dragão, no final das contas, a besta das bestas. Com um súbito frenesi de presas e garras, um arrastar da cauda e um golpe das asas ele rapidamente retomou a vantagem.
Um cavaleiro comandava a batalha, gritando ordens, levantando a espada e chamando os guerreiros para se reunirem em torno dele.
A boca do dragão se fechou sobre ele até a cintura e levantou-o para que todos pudessem ver. Guerreiros gritaram por ele enquanto suas pernas armaduradas se debatiam impotentes.
Urshula fechou a mandíbula e o torso inferior do cavaleiro caiu no chão. O resto logo voou pela caverna, quando Urshula balançou a cabeça e usou o cavaleiro como um míssil para derrubar várias fileiras de guerreiros. Aqueles que caíram para o lado provaram ser os mais afortunados, pois o míssil blindado foi rapidamente seguido por uma segunda explosão de saliva ácida.
Homens derreteram e morreram.
Antes que ele pudesse começar a aplaudir o dragão, Zhengyi foi surpreendido uma barragem de raios de energia – verde, azul e violeta – invadindo o caminho de Urshula. O rugido de vitória de Urshula tornou-se um grito de dor quando os raios o queimaram, rasgando através de escamas que não podiam proteger a fera de tais ataques.
O dragão avistou os magos, agrupados na entrada do túnel. Ignorando as punhaladas dos guerreiros que ainda o atacavam pelos lados, Urshula cuspiu novamente.
As pedras ao redor dos magos chiavam e estalavam, mas os três estavam protegidos. Um deles gemeu de dor, embora ainda conseguisse se juntar a seus companheiros na próxima saraivada de magias.
Zhengyi, temendo que o dragão fosse dominado depressa demais, achou que deveria intervir.
Mas Urshula ergueu as patas traseiras e abriu as asas. Ele os bateu furiosamente, levantando poeira, moedas e pedrinhas do chão na direção os magos distantes. Os destroços não causaram danos reais, mas os impediram qualquer tentativa de fazer novas magias – e, mais importante, Zhengyi percebeu, funcionou através dos limites de sua proteção mágica.
“Brilhante”, o Rei Bruxo reconheceu.
A reação do dragão não surpreendeu Sir Donegan. Donegan havia planejado o ataque em quatro fases específicas: primeiro, derrotar a baforada inicial da besta. Em segundo lugar, a investida. Em terceiro lugar, uma saraivada de magias que deveria desviar a atenção do dragão da última e mais mortal etapa.
Os cavaleiros Donegan e Bevell esperavam montados em seus cavalos no alto do túnel, aguardando a reação do dragão. Quando ele usou as asas, eles avançaram com suas montarias. Com as lanças abaixadas, os dois habilidosos cavaleiros cavalgaram ao redor da muralha de força mágica, reunindo-se novamente do outro lado e avançaram juntos na direção do distraído dragão.
Eles pegaram a fera dos dois lados da barriga, o ponto mais fraco da armadura natural de um dragão. Com o peso de seus imensos cavalos os empurrando e os encantamentos colocados sobre aquelas lanças, as armas atingiram em cheio seu alvo, rasgando a dura camada de escamas e penetrando fundo nas vísceras macias do animal.
A fera caiu com um rugido terrível. Mas Donegan e Bevell já estavam se movendo, deixando suas montarias de lado e deixando suas lanças na barriga do dragão. Como um só, os habilidosos cavaleiros desembainharam suas espadas. A lâmina larga de Bevell queimava com fogo, enquanto Donegan trazia uma lâmina de duas mãos que brilhava com uma luz encantada. Quando a asa do dragão desceu sobre ele, Donegan aguentou firme e empurrou a arma para cima com as duas mãos. A besta uivou de novo e se retraiu.
Bevell teve menos sucesso do lado oposto, e apesar de ter desferido um golpe sólido, a asa o jogou longe e o fez cair de sua montaria esparramado no chão.
“Venham até mim!” Donegan chamou seus guerreiros, e aqueles ainda capazes de batalhar fizeram exatamente isso.
O dragão se virou para encará-lo e Donegan quase desmaiou, pensando no momento de sua morte.
Mas os magos atacaram novamente, uma bola de fogo engolfando a cabeça da besta e uma série de mísseis mágicos desaparecendo na esfera flamejante.
Donegan aproveitou o momento para investir com sua montaria rapidamente contra o flanco do dragão. Ele desmontou e mandou o cavalo embora, pegando sua espada com as duas mãos e desferindo um poderoso golpe contra as escamas da fera. Ao redor dele, seus guerreiros comemoraram e atacaram, apunhalando e golpeando com abandono.
A fera estava ferida. A fera balançou.
“Termine com isso!”, gritou Sir Donegan, vendo que o momento da vitória estava ao alcance.
Mas o dragão girou, seu rabo voando e jogando Donegan e os outros para os lados, lançando-os através do chão de pedra e terra.
O cavaleiro tentou se levantar. Seu elmo estava virado, roubando sua visão, e sua espada voou para longe de seu alcance. Ele tateou em volta antes que uma mão agarrasse seu ombro e o aprumasse.
Ele ajustou seu elmo e viu Maryin sorrindo para ele, entregando-lhe a espada.
“Vamos acabar com isso”, disse ela.
Zhengyi apreciou o espetáculo. Ele ficou maravilhado com a tenacidade e perseverança das tropas; poucos homens aguentariam tanto tempo diante de um dragão zangado. Impressionante também foi a resistência e a ferocidade de Urshula.
Mas o dragão ficou gravemente ferido, o Rei Bruxo percebeu. Uma das lanças foi arrancada da ferida e sangue jorrou do buraco – e sem dúvida a ponta da lança havia rasgado o interior da criatura.
E aqueles magos voltaram, implacáveis, suas bolas de fogo e raios de energia cobrando um pesado preço.
Zhengyi estava ali para equilibrar o combate, mas ficou surpreso ao descobrir que era Urshula, e não os humanos, que precisava de sua ajuda. Ele não podia permitir que fosse tão fácil para eles.
O Rei Bruxo voltou para sua forma de sombra e deslizou em uma fenda na parede.
“Fogo, desta vez”, Fisticus disse aos seus dois companheiros. “Quando o dragão levantar a cabeça, engolfe-o.”
Todos os três magos prepararam seus feitiços, observando atentamente enquanto Fisticus determinava o padrão dos movimentos do dragão.
“Um…” ele contou, “dois…”
“Diga ‘três'”, interrompeu uma voz rouca atrás do trio.
Zhengyi observou a surpresa magos e sorriu ao imaginar as expressões em seus rostos. Ele não deixou que isso o distraísse, no entanto, quando ele começou a lançar seu feitiço favorito.
Os magos se viraram a tempo de encarar uma explosão repentina de raios multicoloridos entrelaçados de uma luz cintilante.
Fisticus levantou o braço diante dos olhos, enquanto o mago à esquerda estava banhado com uma luz azul. Aquele desafortunado homem, cego pelo brilho do feitiço de Zhengyi, tentou gritar, mas sua pele endureceu em pedra, e ele congelou no lugar com a boca aberta.
Uma luz púrpura engolfou Fisticus e ele se foi, desapareceu, removido do Plano Material e lançado aleatoriamente através do multiverso, embora sua partida abrupta tenha pelo menos permitido que evitar a rajada de relâmpagos que sacudiu e queimou o homem à sua direita. O raio pulou por onde Fisticus havia estado e explodiu contra a estátua do outro mago. A rocha sólida na qual ele havia se tornado rachou em mil pedaços sob a pressão do relâmpago, enviando dedos de pedra e cotovelos rochosos voando pela caverna.
E um raio de uma segunda matiz iluminou o bruxo que aguantara o choque inicial do raio. Já caído e perto da morte, ele juntou toda a força que lhe restava para um último grito de agonia quando um brilho vermelho o atravessou e ele explodiu em chamas. Ele não conseguiu nem mesmo rolar no chão, e apenas ficou lá queimando.
Zhengyi deu um suspiro rouco e sacudiu a cabeça.
“Nem um obrigado, querido Urshula?”, ele sussurrou quando voltou sua atenção para o dragão e a luta maior, para descobrir que sua intrusão não passara despercebida.
“O Rei Bruxo!”, gritou um homem.
Ao lado do dragão, Sir Donegan franziu a testa ao pensar que tal inimigo tinha vindo contra eles em um momento tão desesperado. Ele só podia rezar para que seu soldado estivesse errado e que eles pudessem lidar com o dragão o mais rápido possível.
“Fisticus, acabe com ele!”, Donegan gritou quando sua grande espada cortou novamente o flanco do dragão.
Ele usou a força do golpe para girar na direção dos magos – ou do que restava deles. Donegan notou uma figura sombria contra a pedra, mas ele não conseguiu parar por tempo suficiente para tomar alguma atitude contra ela.
“Lutem, meus guerreiros! O dragão está quase morto!” gritou ele, encorajando suas tropas e lançando-se com abandono contra a grande fera.
Urshula ouviu essa afirmação e não podia refutá-la completamente. Os ataques dos magos o feriram gravemente, e ele podia sentir a ponta de uma lança sacudindo sob sua armadura escamosa, rasgando suas entranhas.
“Zhengyi? Meu aliado?” Urshula resmungou entre um grunhido e outro, e ficou feliz de ver um dos magos fumegando no chão, e a metade inferior petrificada de outro, explodido da cintura pra cima.
Mas onde estava Zhengyi?
Uma estocada em seu flanco trouxe-o de volta de sua contemplação e lembrou-lhe de seus problemas mais imediatos. Ele se debateu e pisoteou um homem com a pata traseira, depois golpeou com a asa, derrubando vários outros. Seu rabo girou do outro lado, afastando outro grupo de guerreiros teimosos.
Zhengyi assistiu pacientemente de dentro de uma fenda na pedra, os componentes materiais de várias magias prontos nas mãos. Ele silenciosamente aplaudiu a ferocidade de Urshula enquanto o dragão pegava um homem em suas mandíbulas e o esmagava. O dragão balançou a cabeça e lançou o míssil humano, derrubando vários homens.
Naquele instante, Zhengyi pensou que o dragão pudesse prevalecer.
Mas Urshula tombou para o lado, e Zhengyi viu que um grande cavaleiro havia desferido um golpe devastador. Urshula tentou virar-se para o cavaleiro, mas um segundo guerreiro, a mesma mulher que havia entrado primeiro no covil do dragão, tinha astutamente subido nas costas do dragão. Quando o distraído dragão se concentrou no cavaleiro, ela cravou uma pequena espada no crânio de Urshula.
Zhengyi sorriu e tirou o filactério do crânio do dragão do bolso.
“Rei Bruxo!” Urshula berrou em uma grande voz que ecoou pela câmara.
Então o dragão lembrou a Zhengyi e a todos os outros exatamente por que eles eram tão justamente temidos. Urshula deu um pulo e balançou a cabeça violentamente para todos os lados. O movimento arremessou a mulher por sobre a coroa de chifres na cabeça do dragão de forma tão violenta que ela não teve a menor chance de se segurar. A queda de seis metros até a pedra poderia tê-la matado, mas o dragão nunca a deixaria chegar tão longe. Com uma grande mordida arrancou a cabeça e metade do corpo, os pés e um braço se soltando e voando pela caverna.
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E o dragão continuou a saltar e rolar de ar. O tamanho de Urshula se tornou sua principal arma quando ele caiu sobre o resto dos guerreiros que restavam, esmagando-os sob seu grande peso.
Zhengyi sentiu quando os olhos do dragão negro se apertaram de dor, pois aquele ataque esmagador forçava armas e pontas de armadura através de suas escamas, ferindo-o gravemente enquanto esmagava e ceifava a vida de muitos de seus inimigos.
Mas não do talentoso e valente cavaleiro com a enorme espada, Zhengyi percebeu, a medida que aquele homem dançava sob o cambaleante dragão e golpeava com força a pata dianteira da criatura, correndo em seguida para apunhalar o torso da fera.
Ele tentou, pelo menos, antes que uma força invisível agarrasse o cavaleiro, uma mão criada por telecinese. Ao pular na direção do dragão ele se levantou sobre a fera e continuou subindo no ar.
Zhengyi, muito satisfeito consigo mesmo, manteve o homem subindo.
Sir Donegan se debateu com grande ferocidade, tentando se libertar do efeito mágico. A raiva o dominou por completo quando viu o grande dragão mordendo Maryin. Ele subiu seis, quinze metros, e mais, indefeso enquanto o dragão continuava matando seus guerreiros, muitos dos quais olhavam estupefatos para seu líder voando, as bocas abertas, a esperança fugindo de seus olhos arregalados.
Donegan rodou sua grande espada, como se tentasse cortar alguma mão física, mas não havia nada para acertar.
O cavaleiro voltou sua atenção para o teto que rapidamente se aproximava. Ele se preparou para o impacto, mas nunca chegou lá.
A força invisível o soltou.
Gritando e xingando enquanto caía, Sir Donegan se recusou a aceitar seu destino. Seu grito assustado tornou-se um rugido de desafio, e ele girou para alinhar sua espada com a cabeça do dragão, que não o viu chegando.
A lâmina de Donegan penetrou no crânio da fera, quebrando o osso. Donegan a segurou até que ele também se chocou de cabeça contra o dragão. Seu capacete quebrou violentamente a clavícula de cada lado. Seu pescoço se comprimiu com tanta força que sua espinha se transformou em pó. Ele permaneceu de cabeça para baixo por uns segundos, seu torso lentamente caindo para trás.
Então caiu então para longe do dragão, cuja grande cabeça suspensa no ar, a espada de Donegan cravada como um terceiro chifre.
“Rei Bruxo?” Urshula gritou novamente, em uma voz borbulhante de sangue. Ele olhou para a parede onde os magos haviam sido derrubados e sua visão ficou vermelha de fúria. “Rei Bruxo!”
E Zhengyi respondeu a ele, não fisicamente, mas telepaticamente. Urshula avistou um túnel escuro à sua frente e, no final, sob luz forte, estava o lich, segurando o pequeno filactério no formato de um crânio de dragão. Urshula instintivamente resistiu àquela força. Mas lá, na mão estendida de Zhengyi, estava a promessa de vida, onde, de outro modo, havia apenas a morte. Naquele momento de terror, em que a escuridão do esquecimento se aproximava, o dragão rendeu-se a Zhengyi.
O espírito de Urshula voou de seu corpo moribundo e correu pelo túnel até a gema do crânio do dragão.
Zhengyi ficou maravilhado com seu prêmio, pois a caveira brilhava forte, fervilhando com a energia espiritual da alma do dragão aprisionado, o recém-nascido dracolich Urshula.
O mais novo aliado de Zhengyi.
O Rei Bruxo baixou a gema e considerou a cena. Ele havia planejado sua intervenção perfeitamente, pois apenas alguns guerreiros permaneciam vivos e ficaram indefesos, contorcendo-se, gemendo e sangrando no chão.
(Traduzido e adaptado do conto “If Ever They Happened Upon My Lair”, de RA Salvatore)