Noran Nillenas cresceu em uma grande fazenda onde era a única criança. Coran Nillenas, seu pai, cuidava do lugar com afinco junto a uma mulher chamada Daria, que tratava o garoto com carinho, mas não como filho.
Noran sabia que era diferente por causa de sua aparência, mas até então não sabia razão, já que, somente até bem mais tarde em sua vida, não teve contato nenhum com elfos e nem aprendeu nada sobre eles durante a sua infância.
Desde que se entendia por gente, Noran carregava em seu pescoço um pingente, ao qual tinha muito apreço, e, por algum motivo que não podia entender, acreditava que a pequena joia estava relacionada ao seu mistério.
Durante toda a sua juventude, Noran teve uma criação nobre. Seu pai assegurava que os melhores tutores e instrutores fossem os responsáveis pela sua instrução, coisa que lhe parecia ser o normal.
Porém, em uma determinada noite, antes de seu pai retornar de uma viagem à cidade para negociar mercadorias e comprar mantimentos, a fazenda foi atacada de surpresa por homens vestidos em pretas armaduras.
Noran foi repentinamente arrancado de suas leituras por Daria e levado para fora do casarão por uma porta secreta em seu quarto que dava para os fundos da casa. Ao saírem para o ar noturno, Dária puxou o garoto pelo braço em direção a um pequeno estábulo localizado no final do terreno.
Lá chegando, Dária montou em um grande corcel negro e puxou Noran, acomodando-o à sua frente. O menino reparou que aquela era a única montaria que havia. A ama puxou as rédeas, guiando o cavalo em direção à floresta, disse algumas palavras em um idioma que ele não reconheceu e ambos partiram.
Conforme os dois se distanciavam em silêncio, os gritos e choros desesperados que preenchiam o ar ficavam cada vez mais distantes. Quando olhou para trás pela última vez, Noran chegou a pensar como era linda aquela luz âmbar que iluminava a distância e torceu para que, quando voltasse e reencontrasse seu pai, pudesse dizer a ele quão bonita era a sua fazenda.
Passado um bom tempo, os dois alcançaram a borda da floresta que ladeava a fazenda. Daria então se abaixou e pediu ao garoto que tivesse coragem. Sem explicações, desceu do cavalo, lhe entregou uma mochila e chegou perto como se para lhe dar um beijo, mas para a surpresa de Noran, Daria disse algumas palavras que ele não compreendeu. Repentinamente, o garoto sentiu um calor em seu peito e, ao olhar, reparou que o seu pingente brilhava com uma cor pálida de azul. Ela então estapeou o cavalo, que seguiu para dentro do breu da floresta.
Os três primeiros dias foram desesperadores.
Perdido, Noran não conseguia encontrar o seu caminho de volta para a fazenda (anos depois ele veio a ponderar se não conseguia, não queria ou se o seu cavalo não o obedecia).
Apesar da mochila que Daria lhe entregou ter mantimentos para mais de uma semana (coisa que ele sabia instintivamente devido a sua criação) a solidão do dia e o horror da noite eram experiências para as quais ele ainda não estava preparado.
Subitamente, passado esse tempo, algo nele despertou; um sentimento de pertencimento que lhe deu calma e propósito. O pânico inicial o havia deixado e Noran passou quase que um tenday naquela floresta até que, na manhã de um dia claro, um homem de cabelos dourados e estranhas orelhas pontudas (até mais pontudas que as dele) o surpreendeu enquanto arrumava suas coisas para voltar a montar o corcel e seguir um destino que parecia angustiantemente obscuro.
Curiosamente, Noran não teve medo do estranho.
Elluin Leolynn, saltou do cavalo. Ele olhava Noran com carinho e segurou a sua mão se apresentando:
“Olá, rapazinho. Sou Elluin. Um Ranger. Nada há que temer de minha parte.”
O elfo pegou uma bolsa que carregava em seu cavalo e a entregou a Noran.
“Tenho pães, queijos e frutas. Você parece com fome. Venha. Sente-se e vamos ter uma boa refeição.”
Enquanto Noran abria a bolsa, Elluin se dirigiu ao grande corcel negro que havia trazido o menino até ali, passou a mão no dorso do animal e disse:
“Oi amigo. Há quanto tempo, hein?”
O cavalo parecia contente e esfregava o nariz no elfo. Ele então retirou o cabresto e desmontou a sela:
“Pode ir, Möri. Você já ajudou muito.”
O cavalo voltou-se rapidamente para Noran e em seguida partiu pela floresta adentro.
Quando se sentou finalmente, Elluin fez algumas perguntas a Noran sobre seu passado. Terminado o dejejum, Elluin e Noran subiram na montaria do elfo. O menino sentia uma estranha tranquilidade em seu peito, que jamais sentira antes.
Enquanto cavalgavam juntos, ele contou a sua história. Ao ouvir o detalhado relato de Noran, o elfo ficou transtornado com o fato de o garoto nada saber sobre os elfos ou outros seres do mundo, e dedicou o tempo da viagem de volta para a High Forest a ensinar o menino sobre as outras raças de Toril.
Passar a adolescência em uma das maiores cidades de High Forest, Elennil, onde todas as raças são aceitas, mudou o mundo de Noran. Treinado por Elluin para, assim como ele, um dia proteger a flora e a fauna, os habitantes e as bordas da cidade, eventualmente o garoto se tornou um homem forte e habilidoso
Mas ainda havia algo faltando, e por isso, antes de assumir seu lugar como Ranger de Elennil, Noran deixou para trás um decepcionado Elluin para procurar saber o que realmente havia acontecido com seu pai e a fazenda onde viveu a infância.
Noran vagou pelas florestas próximas, colocando a sua técnica em prática para proteger viajantes humanos, elfos, anões e halflings pelos quais nutria profundo respeito, apesar de muitos não o respeitarem igualmente, sempre em busca do caminho a seguir.
Eventualmente, após colher as informações com as pessoas pelas quais cruzou em suas erranças, Noran chegou ao local de sua infância. Porém, não havia mais fazenda. Não havia mais Daria. Não havia mais seu pai.
Na pequena vila que cresceu no local, ficou sabendo que Coran Nillenas morava agora na cidade, havia se casado e tinha novos filhos. Era dono de um negócio promissor, mas se tornara um senhor idoso.
Noran buscou em diversas cidades das regiões próximas notícias de seu pai. Ainda inexperiente, sofreu com golpes e assaltos.
Uma noite, após quase perder as esperanças com mais uma notícia frustrante, Noran sentou-se em uma praça para comer a sua última refeição, cogitando que o seu destino era retornar a Ellenil.
“Essa comida não enche a barriga de nenhum pequeno halfling. Duvido que vá encher a sua.”
Noran assustou-se quando notou um halfling que estava sentado praticamente ao seu lado no mesmo banco que ele. Zonder era seu nome e perguntou se desejava comer algo de verdade. Noran disse que sim, agradecendo a oferta com uma pontada de vergonha
O pequeno levantou-se e guiou Noran para a sua casa onde ambos contaram suas histórias enquanto comiam e bebiam. Cansado, o jovem dormiu.
Ao acordar, Zonder já estava de pé. Olhou para ele e fez uma proposta: o halfling ensinaria o meio-elfo a se virar na cidade e ajudaria a achar Coran em troca de proteção. O pequeno ladrão também deu comida e abrigo e os dois logo se transformaram em amigos.
Enquanto Zonder ensinava ao jovem meio-elfo o seu ofício, Noran garantia segurança e, principalmente, magia para o sucesso das empreitadas. Durante muito tempo, a relação deles ficou estável e Noran aguardava que o pequenino o ajudasse a finalmente encontrar seu pai, Coran Nillenas.
Certa noite, Zonder passou o jantar em silêncio, respondendo monossilabicamente os comentários de Noran. Ao terminarem de comer, Zonder se levantou, pegou na mão do amigo e levou-o pelas ruas da cidade. Após muitas promessas e umas tantas enrolações por parte de um relutante halfling, naquela noite nublada, Zonder levou Noran à casa de seu pai.
Era fácil perceber que Coran se tornara muito rico. A sua casa era uma mansão
oran tocou o sino ao lado do portão de entrada, mas os seguranças, desconfiados de um golpe na tarde da noite, o expulsaram da porta aos chutes. Mas o meio-elfo insistiu e conseguiu entregar a eles seu estimado pingente, implorando que fosse entregue a Coran, dizendo ser seu filho. Noran aguardou na entrada até que um homem jovem, que se identificou como Fordhan Nillenas apareceu perguntando do que se tratava a balbúrdia.
Noran explicou a sua história, deixando o jovem de olhos arregalados de susto. Fordhan instantaneamente se recompôs:
“Guardas! Retirem esse mendigo imundo da minha da calçada.”
Enquanto era empurado pelos soldados, Noran gritava para ter seu pingente de volta, mas sem sucesso.
Sob a chuva que finalmente chegara, Noran caminhava de volta para a casa de Zonder quando uma carruagem cortou o seu caminho. Uma moça abriu a porta:
“Entre! Entre! Você está se molhando!”
A jovem se apresentou como Mareas Nillenas, filha de Coran. Vendo a relutância de Noran, ela esticou o braço, abriu a mão e mostrou o pingente, fazendo o gesto de entregá-lo.
“Creio que isso te pertença.”
O meio-elfo esticou a mão, pegou a sua joia de volta colocando-a no pescoço e entrou na carruagem.
Mareas explicou que o pai estava muito doente, mas que gostaria de vê-lo. Ela parecia muito feliz em saber que tinha um irmão meio-elfo, perguntou muitas coisas e respondeu outras tantas.
Ao chegar na casa, Noran foi alimentado, tomou banho e vestiu-se com roupas limpas e secas. Mareas parecia felicíssima com conhecer seu irmão e levou-o a seu pai. O reencontro foi emocionante e Coran fez Noran contar-lhe toda a sua saga, inquirindo especialmente sobre a noite do ataque a fazenda e os seus dias seguintes.
Coran permaneceu em silêncio ouvindo a longa história de Noran. Mareas parecia deslumbrada.
Quando Noran chegou ao final de sua história, Coran se mostrou satisfeito, levantou-se, o beijou carinhosamente na testa e dirigiu-se até um quadro na parede. Seu pai girou a moldura, como uma janela, e revelou um cofre.
O velho respirou fundo, um suspiro de alívio, e girou a chave de código algumas vezes no sentido horário, e tantos outros no sentido anti-horário abrindo-o. De lá, Coran retirou uma pesada pilha de documentos. Os papéis estampavam um curioso símbolo desconcertantemente similar ao do pingente que Noran carregava no pescoço
O que aconteceu a seguir foi tão rápido e chocante que Noran só conseguiu processar todas as informações muitas horas depois encostado em uma árvore na completa escuridão
Para seu espanto, e sob um olhar assustado de Mareas, Coran começara a falar algo sobre o verdadeiro pai de Noran quando Fordhan invadiu a sala acompanhado de homens de armaduras. Assustado, Noran retornou à fazenda, ainda criança, ouvindo o som de metais colidindo e gritos de pessoas sendo assassinadas, quando viu, claro como hoje via: aquelas eram as mesmas armaduras que lhe causaram terror em sua infância.
Tomado por uma raiva instintiva e recuperando o foco de batalha que o treinamento élfico propiciou, Noran se preparou para a luta. Mas, em um átimo, ele viu, com o canto do olho, o assustado homem que acreditava ser seu pai, o terror na face daquela que foi a sua irmã por algumas horas e percebeu a desastrosa desvantagem em que se encontrava.
Seu coração parou e com os olhos mareados, Noran decidiu por fugir e jogou-se pela janela, caindo no jardim da propriedade. Ele correu, subiu uma árvore com uma velocidade que deixou os seus perseguidores espantados, pulou por sobre o alto muro que limitava a propriedade e correu para chegar à casa de Zonder, o único amigo que tinha.
Lá chegando, viu mais homens com as mesmas armaduras carregando o corpo de Zonder, que pendia frouxo, com sinais de ter sido torturado. O pânico ameaçou tomar o controle novamente, mas Noran manteve o foco e fugiu. Correu para fora da cidade e só parou quando estava cercado pela floresta. Aquela mesma floresta que, anos atrás, o amedrontou, agora o protegia.
Com a mente perdida em um turbilhão de pensamentos, seus pés acabaram achando seu caminho de volta sozinhos, e antes que percebesse, ele estava na entrada de Elennil. Elluin o recebeu com alegria na entrada da cidade, mas, assim que escutou as descobertas de Noran, seu semblante fechou.
“Infelizmente parece que as surpresas na sua vida ainda não acabaram, garoto.”
Enquanto caminhavam, Elluin contou que tinha uma irmã chamada Ghilanna Leolynn:
“Anos atrás, Guilanna saiu para conhecer o mundo e viver aventuras. Durante anos ela ficou longe, mas, ao voltar para casa, eu senti que algo a atormentava. Um dia, ela me chamou para seus aposentos e me implorou ajuda para uma tarefa importante: ela pediu que eu protegesse o seu filho quando chegasse a hora e me fez jurar por Corellon. Claro que eu jurei. Ela então fez um encantamento na minha tatuagem e me disse que, quando hora chegasse, ela me levará aonde eu deveria esta. Exatamente um tenday antes de eu te encontrar na floresta, Noran, a tatuagem brilhou. Um pálido brilho azul que ficava cada vez mais forte, conforme eu andava pela floresta. Ela me guiou até você.”
O elfo afastou a manga de sua camisa expondo a bela tatuagem. Com a mente ainda atordoada, Noran demorou para perceber que olhava para um desenho similar ao seu pingente, mas completamente diferente das marcações nos documentos que Coran havia lhe mostrado. Foi então que ele viu: o seu pingente era a junção dos dois símbolos!
Enquanto Elluin andava, Noran, confuso, o assoberbava com perguntas sobre o seu pai, sobre a sua mãe, sobre a sua origem, sobre o seu passado, sobre os homens de armadura, em uma enxurrada de questionamentos que davam vazão a algo que o atormentava no peito desde sempre. Sentindo-se tão perto de dar algum sentido ao seu passado, seu lado humano mostrou a angústia do tempo escasso. O elfo com dificuldades de entender o porquê de tanta ansiedade, permaneceu em um silêncio enervante para o jovem.
Elluin tentou acalmá-lo, passando a mão em sua testa suada, fazendo com que Noran finalmente dormisse. Quando acordou, Noran se viu deitado em um quarto aconchegante. O elfo, sentado ao lado da cama, parecia estar se concentrando. Quando Noran se mexeu, Elluin, ainda de olhos fechados, disse:
“Você ainda precisa aprender muito para se preparar para o futuro e para as respostas que busca. Enviei um grupo de elfos para norte, em busca de vestígios dos autores de um ataque recente a uma vila próxima. Suas habilidades particulares serão bastante úteis. E você aprenderia muito. É o que eu quero. Consegui obter uma licença para que você os acompanhasse. Isso é raro e uma honra. Vá com eles Noran Leolynn-Nillenas, descubra seu passado e faça para si um nome. Suas coisas estão prontas. Coma e vá.”
Ele foi.
Em seus longos anos, tornou-se o líder de um grupamento de rangers responsáveis por proteger um setor de High Forest. Em um estranho dia, raios caíram no chão, ao lado do posto onde estava.
E tudo começou.