13 Flamerule, 1357 DR (Ano do Príncipe)
Enquanto Naugrim e Akuna voavam para buscar a ajuda dos anões, e Neurion e Numspa seguiam para tentar o mesmo com os centauros, Erevan e Tass partiam na direção de Waukeshire, no coração de um bosque ao lado da estrada principal que liga Vaasa à Damara.
É verão na Damara, com poucas nuvens no céu, o que significa uma temperatura amena durante o dia, mas as noites são gélidas com o vento que desce das montanhas.
Segundo o Barão, as tribulações das várias comunidades em Bloodstone parecem tocar apenas levemente as população de Waukeshire. Mesmo durante a longa opressão do exército de bandidos, a vida na aldeia continuou praticamente como sempre. Os halflings pagaram seu tributo, mas a maior parte da colheita foi armazenada com segurança nos túneis e nas tocas abaixo da aldeia.
A milícia, liderada pelo jovem Fredegast (um estrategista excepcional para alguém tão jovem), impede que animais selvagens e grupos de bandidos ataquem a comunidade, e os halflings escondem suas celebrações coloridas da vista do público.
O prefeito William, eleito líder de Waukeshire, tem 80 anos. Ele usa um colete com corrente de prata e tem um bigode encerado. Ele é dado a longos discursos formais.
“Ei Erevan”, acena Noran quando vê os amigos seguirem para a estrada. “Não se esqueça de voltar e terminar o muro. E boa sorte.”
“Finalizei ontem a noite, Noran. Obrigado!” responde Erevan.
“Tass, você sabe qual é a distância até Waukeshire?” pergunta Erevan. “Conhece algo do povo de lá?”
“Quinze milhas, meu bom Erevan”, responde Tass. “Como viajaremos? Fico por sua conta já que a minha alternativa é ir à pé.”
“Creio que o tempo precisa se tornar nosso aliado, Tass.”
Erevan deixa cair de um pequeno frasco uma gota de água benta que havia sido feita por Naugrin. A gota evapora quando atinge a flama produzida sobre a palma da mão do elfo. Enquanto ele recita palavras mágicas e faz os gestos necessários, seu corpo e o de Tass tornam-se como vapor e los dois zarpam pelo vale de Bloodstone.
O caminho para o bosque habitado pelos halflings passa por campinas e sobre o rio Beaumaris, ladeado por árvores altas. Tass percebe, escondidos nas árvores que ladeiam a estrada perto do bosque, um grupo de halflings arqueiros.
“Tass, sugiro voltarmos um bom pedaço”, diz Erevan, “ou irmos a um local mais escondido para destransformar e não assustá-los.”
“Acho que nos revelarmos na frente deles poderia ser uma visão fascinante”, responde Tass, “mas claro que depois disso nos apresentaríamos educadamente! Somos um povo que sabe valorizar a beleza de um espetáculo de magia!”
“Mas se você achar que pode ser ruim não me oponho ao seu plano,” concede o halfling. “Só acho perdemos uma boa chance de impressionar!”
“Bom… tudo bem”, concorda Erevan. “Fiquei mais reservado quando a chamar a atenção depois de minha viagem aos planos elementais com Farj, Neurion e Numspa. Vamos dar a eles histórias para contar então. Isso pode nos ajudar a chegar até o prefeito Willian”.
“Se me lembro bem da minha gente, acredito que sim!”
Tass e Erevan descem lentamente enquanto voltam para sua forma sólida.
“Irmãos halflings de vigia nas árvores do bosque, nós respeitosamente os saudamos!” anuncia Tass a medida que desce. “Somos membros da Companhia do Milagre viajando magicamente por suas terras devido à urgência da ocasião!”
“Talvez já tenham ouvido falar sobre nós e de nossa luta contra a tirania desde terras muito distantes até aqui,” ele continua, agora já quase sólido. “Talvez não tenham ouvido mas estamos aqui para contar. Nossa vinda é em paz. Queremos encontrar o nobre prefeito William para falar da luta que chegou a essa região!”
Um halfling com cara de jovem toma um susto ao ouvir a voz da figura translúcida que vinha descendo lentamente dos céus, caindo pra trás e ficando pendurado no galho por uma rede de cordas que estava segurando.
“Me chamo Erevan Galonadel e este é Tasseltuff. Fomos enviados pelo Baronato de Bloodstone, em busca de ajuda para salvaguardar a alegria que vive nestas terras halflings. Ouvimos falar de seu líder da guarda Fredegast, ele também pode ser de grande ajuda.”
Os outros halflings apontam seus arcos para Tass e Erevan, mas um deles, que parece ser o líder, faz um sinal para que os outros abaixem as armas.
Erevan pousa e faz uma leve reverencia ao líder.
“Sir Fredegast?”
O halfling desce da árvore com uma certa desenvoltura e faz sinal para que os outros ajudem o jovem preso na rede.
“Sim, se procuram por Fredegast, vieram ao lugar certo,” responde o jovem halfling. “Muito prazer.”
“É muito bom estar novamente entre tantos dos meus!” diz Tass, sorrindo e também fazendo uma reverência. Há anos ele não estava entre tantos semelhantes.
Erevan mantém o semblante sereno que lhe é peculiar e observa a alegria que emana do povo pequenino, – Quanta esperança ainda há aqui – ele pensa.
“Valente Fredegast, sua bravura e coragem já cruzaram o bosque e estamos em busca de espiritos indômitos como o seu para proteger esta terra.”
“Agora que consigo ver melhor o rosto de vocês,” respomnde Fredegast, “me recordo que passaram por aqui uns dias atrás, acompanhados de Garlen e Garvin. Ou estou errado?”
“Muito bem observado!” diz Erevan erguendo uma sobrancelha. “Sim, éramos nós. Fico muito feliz com a forma harmônica que convivem com o bosque. Conseguiram que ele os ocultassem e os nutrissem, agora é a hora de retribuir essa benção da natureza e purgar o mal que ameaça a vida e a alegria do seu povo.”
“Podemos conversar com o prefeito, nobre general?” intercede Tass. “O assunto é um tanto urgente!”
“Sim. Tasseltuff traz consigo uma carta de recomendação do Barão de Bloodstone”, diz Erevan. “Temos pouco tempo. Uma horda de assassinos e gigantes marcham em direção à Bloodstone e estamos em busca de toda a ajuda que pudermos conseguir.”
“E posso ver tal carta?” pergunta Fredegast erguendo também uma sobrancelha.
Tass entrega a carta para o halfling, que a devolve depois de ler até o final.
“Simpatizo profundamente com sua causa”, responde Fredegast, “mas conheço bem esses vilões. Eles vão procurar uma vingança terrível, e são bastante poderosos. Se vocês não vencerem, eles destruirão até mesmo as vidas simples que vivemos agora. Nós lutamos de volta, mas sutilmente, organizando ‘acidentes’ para ocasionais bandos mais descuidados que andam pelo vale. Até mesmo isso pode um dia causar a nossa aldeia mais dor do que bem, mas devemos fazer alguma coisa.”
“Recentemente descobrimos uma caverna nas montanhas, não muito longe daqui, onde um bando de worgs mancomunados com os bandidos está usando de lar temporário entre uma incursão e outra à nossa floresta. Conseguimos mantê-los longe da vila até agora, mas eles rondam cada vez mais próximos, ameaçando nossas crianças que brincam entre as árvores. Quem sabe não podem nos ajudar com esse problema?”
“Acredito que seria um prazer ajudar, afirma Tass.
“Certamente”, concorda Erevan, olhando com certa compaixão para o jovem halfling. “Vejo que foi sábio por parte do Barão nos enviar aqui, Fredegast. Essas monstruosidades não naturais são uma ameaça ao equilíbrio deste bosque. Podemos extirpá-las daqui e ajudar seu povo, mas sei que você tem a consciência que você e seu povo não podem se proteger aqui para sempre. Só a união dos povos desta região, só o reforço de sua aliança com os humanos de Bloodstone, pode garantir seu modo de vida.”
“O mal que se aproxima deve ser detido. E será!”, decreta Tass.
“Vamos ajudá-los, mas o que buscamos de seu povo é justamente essa habilidade de passarem despercebidos pelos inimigos”, continua Erevan. “Considerariam fazer uma ação furtiva com um esquadrão na base dos rufiões posteriormente?”
“A astúcia do nosso povo pode pesar favoravelmente a nós na balança dessa disputa!”, sugere Tass. “Foi isso que viemos buscar.”
“Não posso prometer nada”, responde Fredegast depois de pensar um pouco. “Não respondo pela vila, a palavra final é do prefeito. Mas se resolverem o problema com os worgs posso dizer uma palavra ou outra a seu favor.”
“Vamos ajudar com esse problema em sinal de boa vontade”, promete Tass.
“Que assim, seja”, concorda Erevan. “Agradecemos sua disposição. A que distância esta caverna fica daqui?”
Fredegast pega um graveto e desenha um mapa simples mas eficiente no chão, indicando a localização da caverna.
Erevan extende sua consciência na direção apontada por Fredegast, e o mapa toma vida em sua mente, as linhas traçadas na areia transformando-se em montes, córregos e trilhas. A caverna onde os worgs estão não é muito profunda, com uma câmara estreita na entrada que se divide em duas câmaras sem saída maiores mais no fundo. Mas Erevan sente uma influência maligna permeando uma das câmaras.
“Os worgs não estão sozinhos”, responde Erevan. “Há algo de perverso que permeia as câmaras da caverna. Algo demoníaco-desmorto. Algo não natural. Vamos como o vento Tass, um mal como esse não pode seguir existindo neste bosque.
Erevan começa a se tornar nuvem e fala enquanto se transforma.
“Até breve Fredegast, retornaremos aqui quando tivermos lidado com essa ameaça, para que nos leve até a presença do prefeito.”
“Erevan, sugiro irmos até lá e assim provavelmente atrairemos os worgs. Provavelmente eles virão até nós quando estivermos nas imediações”, sugere Tass. “Depois de lidar com eles vamos ver esse mal maior.”
No caminho Erevan tenta se recordar dentre as criaturas e histórias que já encontrou durante o tempo que seguiu com a Companhia do Milagre, se alguma tinha essas características que detectou na caverna.
“E aquele bichão preto que o Naugrin sempre bania?”, sugere Tass.
“Um nightstalker? Talvez… mas a presença da criatura se espalhava pela caverna.”
“Não sou especialista mas essa criatura me parecia demoníaca e desmorta. E foi uma presença recorrente. Se for um desses talvez tenhamos que finalmente sujar as mãos, já que nosso amigo clérigo está longe de nós!”, complementa Tass em tom jocoso.
“Talvez algo similar aos shoggoths, as abominações de Thasmudyan que enfrentamos em Sahu”, pondera o druida. “E for um nightstalker, não pretendo baní-lo para outro plano que não seja o pântano dimensional de onde ele veio.”
“Ah! Você também consegue? Essas magias sempre me confundem!”, diz Tass com um sorriso amarelo.
“Mais ou menos”, explica Erevan. “Não funciona da mesma forma que a de Naugrin ou Neurion, que são mais precisas e banem a criatura de volta a seu plano de origem. Eu uso as energias da própria natureza para mudar o plano de existência da criatura. Mas eu preciso estar em sintonia com o plano que enviarei. Atualmente, só tenho essa conexão com Sahu, os quatro planos elementais, o plano celestial de Silvanus e o nosso plano material. Já cometi o erro de enviar um mal como esse para o plano do fogo antes… não vou cometer esse erro novamente.”
Voando em forma de nuvem, Erevan e Tass sobem a montanha seguindo um trilha e chegam próximos da caverna, quando retornam a sua forma corpórea.
Assim que voltam para suas formas sólidas, Erevan queima um visgo e lança um feitiço que mascara seus rastros e se transforma em um pequeno morcego pequeno, escondendo-se no bolso de Tass.
O halfling entra furtivamente na caverna com Erevan de orelhas em pé. A primeira câmara é estreita, e o cheiro de carniça e podridão se mistura com um aroma levemente almiscarado que causa ânsia de vômito nos heróis. O chão está repleto de ossos e pedaços se carne rasgadas por presas poderosas. Duas passagens podem ser vistas no fundo da câmara, e um som de rosnados pode ser ouvido.
Quando Tass começa a seguir na direção da passagem da esquerda, um enorme worg emerge de lá, farejando o ar.
Tass ameaça sacas as espadas, mas Erevan pede que ele tenha calma.
O worg olha na direção onde o Tass está escondido. Ele continua cheirando o ar mas depois desiste, voltando para onde veio.
“Na natureza há sempre predadores melhores que os worgs”, Erevan comenta telepaticamente. “E esses somos nós, meu caro Tass. Vamos seguí-lo com cautela. Pode ainda ser uma armadilha.”
Cautelosamente os heróis avançam. Na câmara da esquerda descobrem cinco worgs deitados sobre uma cama de ossos e peles de animais. Alguns roem ossos, outros dormem. Dois deles rosnam um para o outro como se conversassem.
“Quer fazer alguma coisa antes que eu comece, amigo morcego?”, pergunta Tass, novamente ameaçando sacar suas espadas.
“Acho que não devemos começar nada ainda, Tass. Vamos vasculhar antes o restante da caverna. Isto está simples demais.”
“Gosto quando é simples”, retruca o halfling.
“Esse é o ponto”, responde Erevan. “Isso aqui não o é, apenas parece simples.”
Voltando com cuidado para não alertar os worgs, Tass entra na passagem da direita, sentindo imediatamente que o ar ao seu redor fica mais frio que no resto da caverna.
Quando chegam próximos da bifurcação, Erevan cria uma grossa parede de pedra que fecha completamente a passagem para a câmara onde os worgs descansavam. Enquanto se concentra para tornar a rocha permanente, Erevan sente os impactos das criaturas se jogando contra a parede, mas após alguns minutos eles parecem desistir e o druida consegue tornar a barreira permanente.
Refazendo a magia que esconde seu rastro, os dois heróis entram no corredor da direita.
O frio penetra nos ossos dos dois amigos, e mesmo a visão noturna concedida pelos óculos de Tass quase não consegue penetrar na escuridão que permeia aquela caverna.
Descendo uns 10 metros pela passagem curva, chegam em uma câmara que faz seu sangue gelar. Pendurados por estruturas de madeira construídas de forma improvisada, vários animais, como lobos, javalis, lebres e até mesmo um filhote de urso, estão amarrados pelos pés com vinhas e ciprestes sendo exsanguinados lentamente, o líquido vermelho coletado gota a gota em cuias feitas com cascas de árvore.
“Isso não parece trabalho dos worgs”, alerta Tass. “Acho que estamos próximos de encontrar algo pior.”
O cheiro almiscarado é bem mais forte aqui, um cheiro que Erevan sentiu pela primeira vez a bordo do Fantástico, na viagem de barco de Waterdeep para as ilhas Ruathym.
“Céus de Silvanus! O transmorfo de ratos! Prepare-se, Tass!”
Tass entra na câmara, alerta para que nada o surpreenda. Chegando mais perto ele confirma que as patas dos worgs provavelmente não seriam capazes de amarrar as varas de madeira onde os animais estão pendurados.
No chão é possível ver marcas de pegadas no sangue espalhado pelo chão. Há pegadas tanto de worgs quanto de humanoides. Não é possível precisar se são humanos, ou orcs, ou alguma outra raça.
A maioria dos animais ainda estão vivos, e Erevan conta 8 animais ao todo: um filhote de urso, dois lobos, três javalis e duas lebres. Uma das lebres e um dos javalis estão mortos.
Pelas marcas nas cabaças, fica a impressão que os worgs bebem o sangue nelas coletados.
“Tá na hora de acabar com essa nojeira Erevan!”
Enquanto Tass examina o local, Erevan voa em forma de morcego e começa a curar e soltar os animais, do mais ferido ao menos ferido. Ele lança um feitiço de falar com animais usando seu anel de amizade com animais.
“Vamos libertá-los. Fujam daqui e cuidaremos desta aberração.”
Assustados, a maioria dos animais corre para fora da caverna assim que caem no chão, mas um dos javalis fica rondando o corpo de sua companheira, em uma cena bem triste.
O aflito javali conta que os grandes lobos negros os arrastaram para lá, e quando acordaram estavam sangrando e pendurados pelos pés, um homem posicionando as cuias em baixo deles enquanto entoava alguma coisa baixinho. Mais tarde os grandes lobos voltaram e começaram a beber o sangue das cuias. Os olhos deles brilhavam avermelhados enquanto bebiam.
“É um homem que vira rato? É isso?”, pergunta Tass enquanto Erevan traduz a história do javali. “E podemos presumir também que os worgs não são do tipo comum. Vamos botar pra fuder de uma vez!”
Erevan reassume sua forma elfica. A tiara de jade que tira de um dos bolsos brilha ao ressoar palavras mágicas de sua boca, e raízes brotam do chão o envolvendo como um casulo. Um luz clara como sol surge num flash e Erevan agora é um anjo de Silvanus.
“Sua vida não deve terminar desse forma não natural,” ele diz enquanto toca na javali e a traz de volta à vida.
A javali, sem entender bem a nova chance que teve, segue seus instintos e dispara para fora da caverna, sendo seguida pelo companheiro, deixando Tass e Erevan sozinhos na câmara.
Erevan novamente comunga com a natureza e busca a localização de mortos vivos e demônios, mas não sente a presença de nada estranho.
“Então vamos matar os worgs,” diz Tass com raiva. “Pra não perder a viagem.”
“Certo, mas antes de irmos pra outra câmara, Tass, não acha interessante vasculhar esta área enquanto fico de guarda no corredor?”
Tass concorda e encontra, debaixo das cuias que coletavam o sangue dos animais, várias runas desenhada com carvão que lembram aquelas mencionadas no Al-Azif, onde se trata de Vecna e a Torre Apodrecida.
“Imagino qual seria o conselho de Neurion sobre isso,” comenta Erevan, “visto que ele estudou o livro em profundidade. Sugiro destruirmos as runas.”
Tass raspa o carvão, e Erevan bate suas asas para ajudar. Com as runas apagadas o frio e a escuridão que tomavam a câmara diminuem imediatamente.
“Agora temos q ir até os worgs,” diz Tass seguindo para a saída da câmara “Se não encontramos a ratazana algo tem que ser feito.”
“Vamos lidar com os worgs”, concorda Erevan.
Voltando para a câmara da frente, nada mudou e a parede de pedra continua lá.
“Erevan, você pode abrir uma fresta agora para que nossos ‘amigos’ venham a nós?”
Erevan usa uma magia para moldar a pedra e cria uma porta com dobradiças rudimentares. Quando Tass abre a porta improvisada os dois ouvem em sua mente várias vozes simultaneamente.
“Crianças, por que me/nos prenderam? Por que apagaram minhas/nossas runas? Despertaram minha/nossa curiosidade…”
“Quem é você e porque profana este local?” responde Erevan telepaticamente de forma que Tass também possa ouvir.
“Se está curioso, apareça!” provoca Tass.
Olhando lá para dentro Tass vê uma dezena de worgs, seus olhos vermelhos brilhando na penumbra. Erevan, através dos olhos do anjo, enxerga ao mesmo tempo o bando de lobos e um homem selvagem vestido com peles de animais.
“Crianças, querem saber de minhas/nossas runas? De meus/nossos rituais?”
“Eu poderia te dizer onde enfiar suas runas, mas não seria educado,” vocifera o halfling, “e hoje me sinto um cavalheiro. Quem será o primeiro?”
“Quem é você humano? Um caçador?”, pergunta Erevan. “Seu ritual, o que quer que fosse, profanou o equilíbrio da natureza, assim como a presença dessas monstruosidades. Isso não será sem consequências para você.”
Erevan e Tass ouvem múltiplas risadas macabras em suas mentes.
“As crianças estão confusas. Sim, confusas. Não entendem quem sou/somos.”
“Nós, Jaleed, Harikun e eu, estamos cagando para quem é/são”, diz Tass apontando suas armas para os worgs. “Só quero saber quem vai ser o primeiro!”
“Nossos caminhos já se cruzaram antes, a bordo de um navio”, diz Erevan. “O que faz/fazem aqui?”
Ainda com pouca experiência em usar os sentidos celestiais da forma que assumiu, só então Erevan percebe que o homem e os worgs são a mesma coisa, a visão verdadeira do anjo de Silvanus revelando a verdadeira forma da criatura dentro da caverna.
“Sobre o que está falando, criança? Um navio?”, indagam as múltiplas vozes enquanto alguns worgs farejam o ar.
“Ah, sim. É antigo, mas ainda posso sentir o cheiro de Gryllen em você, criança. Não confunda seus D’ivers, criança, não é com a Onda da Loucura que está tratando hoje, e sim com a Maldição de Quon. Sou/Somos Ryllandaras, criança.”
Erevan se recorda que Quon era uma antiga cidade contemporânea ao Império de Netheril. A história diz que foi destruída de forma terrível, mas os detalhes não sobreviveram aos dias atuais.
“Você/vocês tem relação com a antiga cidade de Quon?”, pergunta Erevan respirando fundo. “São por ventura a causa de sua ruína? O que quer/querem aqui?”
“Creio que a luta contra essa criatura se aproxima”, Erevan alerta pela conexão mental que mantém com Tass. “Quando começar peço que deixe-me agir primeiro antes de partir para o combate corpo-a-corpo com suas cimitarras.”
Todos os worgs expõem as presas, em algo que se poderia entender como um sorriso nostálgico.
“Ainda sinto/sentimos o gosto da cidade de Quon nos lábios, criança.”
“Logo vão sentir o gosto do próprio sangue!”, desafia Tass.
Os olhos de Erevan ficam incandescentes, enfurecido com o escárnio da criatura diante da destruição que causou e da profanação da natureza. Uma coluna de fogo divino explode sobre a maldição de Quon, queimando os pelos dos worgs.
Tass pula então no meio dos worgs distribuindo golpes, cortando pele, carne e osso, mas seu olhar é atraído pelo brilho vermelho nos olhos de um deles.
Erevan, percebe que o Tass está parado, com os olhos vidrados.
Para o halfling a caverna começa a girar, o brilho rubro nos olhos do worg penetrando em sua mente e o chão despencando sob seus pés. Tass sente que está caindo, sua pele formigando enquanto uma massa de vermes rasteja sobre ele, entrando em seus ouvidos, boca e narinas. O halfling observa lentamente todos que ele conhece morrendo, todas as florestas queimando, os oceanos borbulhando em sangue, o céu ficando negro a medida que cada estrela se apaga para sempre. Tass perde a noção do tempo a medida que sua mente se esvai como grãos de areia entre seus dedos.
Erevan ataca os worgs para afastá-los do amigo e arranca Tass do meio do perigo. Enquanto se afasta até a porta utiliza os poderes do anjo para tentar curar o que quer que tenha afetado o amigo.
Um dos worgs, aproveitando a oportunidade quando o anjo tira o halfling do meio deles, morde violentamente Erevan.
Das sombras da caverna surgem mais worgs, que cercam o anjo de Silvanus. Os brilhos rubros em seus olhos penetram na mente de Erevan como uma faca.
Erevan sente suas asas se retorcendo, as penas brancas murchando, secando e caindo uma a uma. Manchas negras de corrupção surgem no chão onde cada uma delas toca, se espalhando para todo o lado, consumindo a natureza até onde a vista alcança. Milhares de worgs saem do chão, seus olhos brilhando com uma luz rubra, cercando Erevam que agora sente-se indefeso e responsável pelo fim de tudo. Em sua mente ele ouve milhares de vozes.
“Foi divertido, criança. Divertido. Quem sabe não repetimos nossa dança em outra oportunidade?”
***
Erevan e Tass acordam na escuridão muitas horas depois.
O halfling tateia no escuro procurando suas espadas, que encontra caídas no chão, do seu lado.
De volta à sua forma de elfo, Erevan acende uma chama em sua mão, iluminando a caverna.
Eles vasculham todas as câmaras mas não encontram vestígio dos worgs. As cumbucas que coletavam o sangue sumiram, e os galhos dos suportes onde os animais estavam pendurados estão caídos no chão. Pelo que calculam ficaram desacordados o resto do dia, devendo ser próximo de meia noite.
Seguindo o mais rápido possível para Waukeshire, encontram uma patrulha de halflings na beira da floresta. Eles agradecem bastante pela ajuda, pois dizem que viram um grande bando de worgs indo embora da região, seguindo na direção da Vaasa.
O halfling os leva até Fredegast, que os recebe com efusivos cumprimentos. Durante todo o caminho até a vila ele reforça que Waukeshire está agora em segurança graças à Companhia do Milagre.
Erevan e Tass são recebidos com festa, a notícia de seu feito correndo mais rápido que seus passos, e o prefeito os recepciona com um caloroso aperto de mão. O prefeito os convida para um jantar, e Tass escuta um outro halfling dizer que ele mandou usar os talheres bons.
“Me sinto enganando esse povo, Tass”, Erevan confessa através do link mental. “Eles não estão em segurança. Muito menos em função das nossas ações aqui. Os únicos milagres que operamos foram não termos sido mortos e da criatura ter decido seguir para Vaasa. Provavelmente indo para prestar serviços à Zhengyi.”
“Eu devia saber que depois de tudo que passamos em Sahu, a imprudência ainda é nossa ruina. Tass, deixo a você a tarefa de conseguir essa aliança. Se eu falar aqui posso por tudo a perder novamente e amedrontar mais esse povo do que eles já estão amedrontados.”
“Excelência! Ficamos muito felizes em poder contribuir humildemente de alguma forma e nos colocamos inclusive a disposição para ajudar novamente no futuro”, diz Tass durante o jantar. “Queremos construir aqui uma relação longa e saudável para todos.”
“Nesse momento um mal se aproxima dessa região. Dificilmente sua comunidade conseguirá se manter afastada por muito tempo desse conflito. Nossa missão diplomática aqui em nome da Companhia do Milagre e do Barão Tranth é pensar uma forma de que possam nos ajudar, desde já, a virar a balança a nosso favor e evitar que o problema futuro seja ainda mais grave.”
“Cortar o mal antes que ele esteja fora do alcance de nossos machados. O que o senhor pensa a respeito disso?”
“Sim, Fredegast me falou sobre os planos do Barão”, responde o prefeito. “Vocês podem contar com a ajuda de Waukeshire quando for necessário.”
Erevan, que no caminho até a cidade observou a flora local, de forma a conseguir retornar aquela aldeia no futuro, ficou absorto às palavras e comemorações durante o jantar. Sua face inexpressiva revelava apenas os olhos mareados que fitavam os halflings no local. “Todos festejam inocentes”, pensou para si. “Não imaginam contra o que estão se prontificando a lutar. Silvanus, zele por suas almas quando a hora chegar. Mesmo que tenhamos que dar nossas vidas, que esse mal seja destruído.”
Na viagem de volta os dois amigos conversam sobre o que aconteceu.
“Amigo Erevan, não pense que a situação desceu fácil goela abaixo. Estou frustrado, muito frustrado. Temos agora esse elo, além do elo que nos une à Companhia do Milagre. Vamos livrar o mundo desse mal! É certo que nossos companheiros serão solidários conosco e, ao lado deles, seremos mais fortes como sempre fomos. Fortes na vitória e resilientes na derrota. Que seja provisória essa última.”
“Falhamos hoje, Tass. Quase perdemos nossas vidas, pusemos todos aqui em perigo e não fosse por você nem essa aliança teríamos conseguido. Já enfrentamos tanto até aqui, vimos coisas que os olhos desses halfings não acreditariam. Dragões em ataques de fogo e morte. Eu vi a morte encarnada em Myth Drannor. Tudo isso para nada. Não se trata do nosso orgulho. É maior do que isso. Estou disposto a ir até o fim e além dele se for preciso. Sinto que se aproxima a hora de morrer.”
Os dois voltam então a tempo no dia seguinte, de desmascarar o espião e descobrir a localização do acampamento do exército de bandidos.